Por que as empresas deveriam buscar profissionais neurodivergentes

Postado em 26 de fev de 2022
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Uma pessoa neurodivergente é aquela que tem um desenvolvendo neurológico atípico. Ou seja, diferente daquilo que se considera padrão na sociedade. 

O termo foi criado na década de 1990 e adotado pela comunidade autista de imediato. Em seguida, outras comunidades também começaram a adotar o termo. 

Falar sobre neurodiversidade também significa falar sobre justiça social. 

Isso porque o movimento enxerga positivamente a neurodiversidade, a biodiversidade e a diversidade cultural. Além de advogar em favor da ocupação do mercado de trabalho, escolas e espaços sociais por pessoas neurodivergentes. 

Os benefícios da inclusão são evidentes e criam uma força de trabalho mais igualitária e diversificada, além de ambientes mais inclusivos e pensados para todos.

Organizações como Google, Facebook, Coca-Cola e O Boticário possuem uma firme política de diversidade no ambiente de trabalho, oferecendo oportunidades com esse enfoque, e acabam ganhando muito com essa iniciativa.

Conforme uma pesquisa recente feita pela DDI, empresa de análise e pesquisa, e a Ernst & Young (EY), quando a diversidade ultrapassa 30%, a companhia tem lucros maiores.

Já uma pesquisa da Stanford Graduate School of Business de 2019 indicou que ações de empresas com maior diversidade de gênero sobem mais.

Ou seja, os benefícios do incentivo à inclusão podem ser compreendidos como aceitação e respeito pelas diferenças mas, também, como uma estratégia de negócio. 

Neste artigo, nós vamos falar especialmente sobre a inserção de pessoas neurodivergentes no mercado de trabalho, os desafios e benefícios, mas também sobre o que significa ser neurodivergente. 

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O que significa dizer que alguém é neurodivergente? 

Ser neurodivergente significa que o sistema neurológico de uma pessoa foi construído de maneira diferente do que é considerado padrão pela sociedade. 

Significa que ela tem uma configuração neurológica atípica - diferente do típico, do esperado. 

Dentro dessa categoria se encaixam principalmente pessoas com autismo, dislexia, transtorno de déficit de atenção e pessoas com transtornos psicológicos. 

Diante do padrão, pessoas neurodivergentes podem ser vistas como anormais, extremas e difíceis de conviver. Porém, isso não passa de estigma. 

A diferença entre pessoas neurotípicas e pessoas neurodivergentes 

Neurotípico significa “neurologicamente típico”. 

Esse termo é utilizado para designar pessoas dentro da faixa típica (média) da neurologia humana. Ou seja, um indivíduo neurotípico é aquele que tem desenvolvimento neurológico considerado “padrão” pela sociedade.

Já neurodivergente, é o indivíduo que possui uma configuração neurológica atípica – ou seja, diferente daquilo que a sociedade considera o padrão.

Essas diferenças influenciam no comportamento, socialização e aprendizagem das pessoas. Contudo, ambas devem ser respeitadas, já que fazem parte da diversidade humana.

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O que é a neurodiversidade? 

A neurodiversidade é um conceito que nasceu no final dos anos 1990 com o estudo da socióloga australiana, Judy Singer. 

Singer, que está dentro do espectro autista, buscava maneiras mais inclusivas e menos pejorativas de descrever pessoas com neurologia divergente. 

Então, ela cunhou o termo “neurodivergente”. 

O que a socióloga buscava era uma maneira de poder descrever sua configuração diferente de cérebro sem precisar utilizar palavras de conotação negativa, como “déficit”, “distúrbio” e “deficiência”. 

Além disso, cunhar o termo trouxe com ele não só uma maneira mais inclusiva de enxergar a neurodiversidade, como também ajudou a construiu um movimento. 

A neurodiversidade busca desconstruir a ideia de que pessoas com funcionamento neurocognitivo diferente sejam pessoas doentes ou com transtornos. 

O que o movimento busca é fazer a sociedade entender que condições neurológicas diferentes são apenas variações comuns da biologia, do genoma humano.

O que se encaixa dentro da neurodiversidade 

Como dissemos acima, a neurodiversidade é um guarda-chuva que abrange pessoas com condições atípicas de funcionamento neurológico, e isso inclui:

  • Transtorno do Espectro Autista (TEA); 
  • Dislexia e dispraxia; 
  • Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH); 
  • Síndrome de Tourette; 
  • Transtorno Bipolar; 
  • Esquizofrenia;
  • Dificuldades intelectuais. 

A neurodiversidade não precisa de cura 

No texto “Por que você não pode ser normal uma vez na sua vida?”, de 1999, Judy Singer argumenta que as neurodivergências não são doenças e, por isso, não precisam ser curadas. 

Estar no espectro autista, ter TDAH ou dislexia, por exemplo, são características de uma pessoa e parte de sua identidade, e não uma doença. 

Para a autora, essa seria uma diferença tão natural entre seres humanos quanto o tom de pele. 

Encarar as neurodivergências como doenças incentiva o estigma e o preconceito, mas vê-los como uma característica promove a inclusão. 

Isso não significa que uma pessoa com uma condição neurodivergente não deve buscar ajuda de um profissional e nem realizar terapias. 

Pelo contrário, é importante entender a condição do seu funcionamento neurológico para poder monitorar como ele se comporta e quais ambientes e hábitos são ideais para você.

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neurodivergente - benefícios para o ambiente de trabalho

Os benefícios da neurodiversidade no ambiente de trabalho – e em todos os lugares 

Não existem dados disponíveis que nos ajudem a entender qual é a situação de pessoas neurodivergentes dentro do mercado de trabalho nacional, mas podemos ter uma ideia de como os dados são alarmantes ao olharmos para outras nações.

No Reino Unido, por exemplo, de acordo com estatísticas de 2020, quase 80% da população neurodivergente está desempregada.

Segundo o Relatório de Indicadores de Autismo de 2015, 37% dos jovens adultos com autismo, entre 18 e 25 anos, nunca conseguiram um emprego depois que saíram do ensino médio.

Outro levantamento feito pelo Autism Employment Gap, da National Autistic Society, apontou que apenas 16% dos adultos no espectro autista estão trabalhando em tempo integral. Na contramão, 77% dos desempregados buscam oportunidades.

Já no mundo, de acordo com uma pesquisa da Google com a Universidade de Stanford, apenas 30% das pessoas com autismo tem algum trabalho com remuneração.

Além disso, segundo estudo da Cranfield University, no Reino Unido, as pessoas neurodiversas temem ingressar em uma organização com medo do preconceito. E, muitas vezes, hesitam até mesmo em se candidatar para uma vaga e em revelar sua condição por esse medo.

Esses dados vão na contramão de outras pesquisas, que indicam que ter pessoas neurodivergentes nas equipes melhora o ambiente e as condições de trabalho para todos.

Isso porque uma equipe heterogênea estimula inovação e permite maior gama de soluções de problemas. Além disso, é possível aprender muito sobre comunicação adequada a diferentes públicos. 

Conforme uma pesquisa da Hay Group Brasil, publicada pela Harvard Business Review em 2015, em empresas onde o ambiente de diversidade existe e tem importância, os funcionários estão 17% mais engajados e dispostos a irem além das suas responsabilidades. 

As potencialidades da neurodivergência para o mercado de trabalho

Em entrevista, Jill Miller, Ph.D e consultora sênior em inclusão e diversidade do Chartered Institute of Personnel and Development (CIPD), apontou que trazer o olhar da neurodiversidade para o ambiente corporativo pode ser uma grande vantagem para as organizações. 

Isso porque, ao contratar e respeitar as diferenças dessas pessoas, as companhias conseguem chegar a soluções para problemas de uma maneira não tradicional e não óbvia.

Afinal, esses indivíduos possuem habilidades únicas. 

Não é à toa que empresas como Google, SAP, Ford, Amazon e JP Morgan já implementaram ou estão desenvolvendo iniciativas de neurodiversidade no ambiente de trabalho.

Uma pesquisa feita em 2016 pelo National Institute of Economic and Social Research (NIESR) alerta que quando uma empresa adota políticas e práticas que ajudam as pessoas com essas condições a trabalhar e crescer dentro do ambiente de trabalho, ela consegue alcançar melhores resultados, alta performance da equipe e ainda contribui para bons índices de saúde organizacional.

Em uma contribuição para o site do Fórum Econômico Mundial, Nahia Orduña, gerente sênior em Analytics e Integração Digital da Vodafone, explicou, inclusive, que pessoas neurodiversas possuem habilidades essenciais para a era digital

Enquanto a maioria de nós se distrai facilmente, cérebros neurodiversos são melhores em manter o foco em uma tarefa, o que prova que contratar pessoas diferentes não é apenas o mais correto a se fazer, é também um diferencial competitivo.

Um exemplo são as pessoas disléxicas. Elas demonstraram uma capacidade acima da média de pensar fora da caixa, de forma inovadora, compreender padrões e raciocinar de maneira lógica. 

Pessoas enquadradas dentro do espectro autista também possuem habilidades únicas. Elas são altamente criativas, dotadas de excepcional capacidade de concentração, raciocínio lógico e imaginação.

Além disso, pessoas autistas também tendem a ser sistemáticas, meticulosas e extremamente detalhistas, capazes de fornecer percepções e perspectivas únicas para a solução de problemas.

Sendo assim, respeitar a neurodiversidade e incorporar seus conceitos no ambiente de trabalho é uma das melhores práticas que uma empresa pode ter.

O preconceito como barreira para inclusão de neurodivergentes 

Segundo uma pesquisa realizada pela Cranfield University, do Reino Unido, pessoas divergentes temem ingressar em ambientes de trabalho porque sabem que vão sofrer alguma discriminação por serem como são, mesmo que seja um tipo velado. 

Em uma matéria da Vice, que entrevistou neurodivergentes sobre sua experiência no mercado, descobriu-se que as particularidades de pessoas com neurodiversidade são motivos de risada e até de demissão. 

Uma entrevistada relatou que o ambiente onde trabalhava, uma mesa sem divisórias compartilhada com outras cinco pessoas, era muito barulhenta e distrativa, então ela gostava de trabalhar embaixo da mesa. E isso era motivo de piada. 

Outra entrevistada revelou ter sido demitida por “não se encaixar na cultura da empresa”, uma justificativa que deixa claro que a motivação da demissão foi sua neurodivergência. 

Os relatos nos mostram que, apesar de ser uma boa adição ao time, a neurodiversidade ainda é vista como algo que atrapalha, muitas vezes resultando em bullying e marginalização de indivíduos. 

O ambiente de trabalho em si 

Como dissemos acima, ao falar sobre a experiência de uma das entrevistadas na matéria da Vice, ambientes de trabalho tradicionais podem ser bastante difíceis para quem é neurodivergente. 

Isso porque um escritório como conhecemos é cheio de estímulos visuais e auditivos, tem luzes altas, espaços barulhentos, conversas paralelas, muitos e-mails, mensagens e telefonemas. E dentro desse ambiente, uma pessoa neurodivergente pode se perder. 

No caso da entrevistada, trabalhar embaixo da mesa e usando fones de ouvido era uma alternativa melhor porque ela conseguia se concentrar. 

Outra entrevistada contou que pediu que subissem divisórias ao redor da sua mesa e que ela utilizava cartões de cores diferentes para indicar se os colegas podiam ou não chamá-la enquanto estava focada em uma tarefa. 

Isso nos mostra que além de contratar pessoas neurodivergentes, é preciso também pensar no bem-estar dessas pessoas dentro do escritório. 

E é nesse momento que muitos empresários voltam atrás na contratação, porque não querem “se incomodar” com o custo e o esforço de adaptar o ambiente. 

Porém, já foi percebido em pesquisa que um ambiente adaptado melhora não só a experiência e a produtividade de quem é neurodivergente, como também melhora a de quem não é. 

Em seu estudo sobre inovação, Austin percebeu que espaços físicos melhores, flexibilidade de horários e comunicação aberta sobre as necessidades dos funcionários melhora a produtividade.

Isso porque se está pensando no bem-estar do colaborador e não na imagem da empresa. 

O papel das lideranças e do RH 

Outra questão importante é a necessidade de preparar o RH e as lideranças para lidar com a neurodiversidade dentro do ambiente de trabalho. 

Para o RH, o ideal seria mudar a abordagem do recrutamento e seleção, focando mais nas habilidades do candidato e menos na extroversão, por exemplo. 

É comum que candidatos que se comunicam abertamente e agem como se já trabalhassem na empresa sejam preferidos pelos recrutadores, o que acaba deixando pessoas introvertidas e mais tímidas de fora. 

De acordo com alguns especialistas, o setor de RH que determina um perfil de comportamento para uma determinada vaga, está excluindo.

Isso porque o que é buscado, como dissemos, pode nunca se encaixar com a maneira como uma pessoa neurodivergente vai se comportar na entrevista. 

E isso causa estresse e ansiedade em quem é neurodivergente, e também resulta em uma empresa formada apenas por pessoas neurotípicas, que se “encaixam na cultura”, para trazermos novamente o exemplo dado acima. 

Além disso, é preciso que os gestores e as lideranças estejam preparados para lidar com os diferentes comportamentos da neurodiversidade. 

Um bom exemplo nesse quesito é a Google, que lançou recentemente um programa de contratação de pessoas no espectro autista.

Ao mesmo tempo, a empresa lançou internamente um programa de treinamento para gestores. 

O treinamento será dado pela Google em conjunto com a Universidade de Stanford e pretende treinar 500 gestores para aprender a selecionar profissionais com autismo e também lidar com essa neurodiversidade no dia a dia.

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Conclusão 

O que todos os dados e relatos nos mostram aqui é que a neurodiversidade é uma condição que pode trazer muitos benefícios para o mercado de trabalho, mas que é pouco aproveitada por conta de estigmas e preconceitos. 

Contratar pessoas neurodivergentes pode trazer mais criatividade e foco para o ambiente de trabalho, além de mudanças físicas e flexibilidade que pode beneficiar a todos os colaboradores. 

Porém, a promoção dessa inclusão depende de uma melhor percepção por parte de gestores, lideranças e do setor de RH.

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Mariana Bortoletti

Por Mariana Bortoletti

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Mercadóloga, jornalista e especialista em escrita criativa.